#003 - O circuito das recompensas
Uma análise pessoal sobre as recompensas que influenciam as nossas decisões
Nos últimos dias tenho pensado muito sobre as motivações por trás de algumas ações que eu tomo. Me fazendo as seguintes perguntas: por que estou fazendo isso? É obrigatório ou eu estou me obrigando? Eu estou indo para curtir ou apenas para preencher uma lacuna social? Imagino que isso já tenha acontecido com você também.
No meu último período de férias experimentei várias dessas façanhas. Depois de muitos meses de trabalho seguindo uma rotina cansativa, meu objetivo na minha última semana de férias era simplesmente descansar, ler um livro, estudar, ver filmes e séries deitado, fazer carinho nos cachorros, apenas. Mas me deparei com várias situações.
Uma quinta-feira ensolarada no Rio, em que meu objetivo era apenas colocar minha longa lista de filmes e séries em dia - algo que eu realmente amo fazer - foi colocada em cheque, e o meu Instagram foi o culpado por isso. Enquanto trocava de filme, resolvi ter alguns minutos de recreação entre um story e outro. Nele, pessoas curtindo seus almoços, tbts de férias, encontros, algumas pessoas na praia dizendo que a água estava impecável e várias outras histórias comoventes. Eis que meus planos determinados e aprovados por mim algumas semanas atrás começaram a ser fuzilados por questionamentos. Devo ficar aqui deitado mesmo num dia desse ensolarado?
Decidi sair, claro, e fui à praia na qual o mar estava impecável, pelo menos foi o que disseram. Sentei, peguei uma água de coco e, de repente, começou uma ventania absurda, aquela que a areia te dá vários catucadões violentos na pele. Disse para mim mesmo: "vai passar". Em seguida, decidi ir no mar impecável. À primeira vista, vi ondas típicas da Califórnia e questionei a impecabilidade da água, mas me coloquei à prova. O resultado foram vários caixotes, ondas perigosíssimas, água típica da Antártida de tão gelada que estava e ventania do deserto do Saara durante o inverno. Na mesma hora pensei: impecável estava a minha cama, a minha lista de filmes e séries e os dois cachorros arrastando a cabeça no meu corpo pedindo por carinho.
Foi aí que minha cabeça começou a pipocar com as tais perguntas que comecei a fazer no início deste texto impecável, risos. Qual foi exatamente o motivo que me fez sair de casa, real e oficial? Fui listando inúmeras recompensas por tal ato: a primeira era um motivo válido, mas não foi ele que fez com que a minha decisão fosse validada, vitamina D. Bobinho. Além dessa mentira que eu quis contar para mim, queria fazer uma mídia tomando uma água de coco nas férias com um mar impecável apenas nos stories, receber corações e emojis como resposta e criar conversas com pessoas específicas. E eu até consegui, mas fiquei com uma puta preguiça de responder depois de ter saído do meu canto para ter essa experiência péssima.
Mas o que eu tirei disso? Algumas horas de estudo sobre o circuito de recompensas que fizeram até o mar da Antártida e os vários arranhões de areia terem feito sentido. Nessas novas descobertas, algumas já sabidas e experimentadas, percebi que as recompensas podem vir por vários sistemas: subjetivos, sociais e químicos. Ou às vezes um turbilhão pulsante dos três. É isso que faz a gente ser tão viciado naquela timeline súbita de vídeos no TikTok ou nas várias dedadas robóticas passando os stories.
As recompensas subjetivas são as experimentações dos processos neurais e psicológicos que te geram sensações de prazer. Essas sensações são influenciadas pelo desejo, emoções, memórias, falta e até mesmo o medo de perder algo, famoso FOMO. Já as sociais têm a ver com as recompensas satisfatórias por meio das interações que nos fazem sentir bem e reforçam o comportamento social positivo, tipo o que nos ensinam sobre adestramento de cachorros, risos. Por último, e não menos importante, a recompensa química envolve a liberação de neurotransmissores, como dopamina e serotonina, que nos fazem sentir bem e reforçam a sensação de prazer. Ufa…
Ou seja, não tem nenhum problema em ter ido experimentar o fake mar impecável, afinal, eu receberia recompensas destes três sistemas, tinha tudo de promissor para essa experimentação, mas não foi o caso. O que eu tiro desse texto são duas conclusões possíveis, são as que estou questionando e experimentando ultimamente.
A primeira é que está tudo bem ser recompensado. A recompensa nos motiva dentro desse mar de comandos e rotinas exaustas que estamos passando pós pandemia, mas esteja atento. Elas são ambíguas e comandadas por algoritmos na maioria das vezes, então vale se perguntar em qual sistema de recompensas você quer receber. Às vezes não vale a pena, o mar pode não estar tão impecável quanto estão te vendendo. Afinal, sabemos que o que está nos stories é um feixe de luz selecionado a dedo por uma pessoa querendo também receber através dos três sistemas de recompensas.
E a segunda, burle o sistema, é meio louco falar isso nesse caso, mas é uma saída, experimente. Coloque regras e faça com que os seus momentos escolhidos por você pareçam tão grandiosos como uma foto do mar do Caribe no tbt do seu amigo influenciador. Sei que nem sempre vai ser tão possível, afinal, as águas do Caribe são extraordinárias, mas tente chegar perto. Crie um ecossistema de outras recompensas. Vou ficar em casa vendo minha lista de filmes tão desejados por mim, comendo uma comida delícia em um lençol de 300 fios para depois compartilhar as minhas análises com os meus amigos.
O objetivo deste texto não é trazer hacks de como ser mais produtivo, nem de longe. Mas é o que tenho pensado e experimentado para conseguir fazer as coisas que realmente quero, sem ter que passar por uma prova com inúmeras questões de múltipla escolha. Afinal, há um algoritmo complexo, um ser social e desejos internos que atuam como um tribunal defesa dentro de nós, brigando com a nossa consciência racional.
Faz sentido esse experimento pra você?